Bela vingança (Promising young woman)
LuckyChap é o nome da produtora criada e liderada pela atriz Margot Robbie, ela mesma, a Barbie. A produtora de Robbie é especializada em contar histórias do ponto de vista das mulheres. Quem conhece o trabalho da atriz como produtora, não pode se surpreender com o quão feminista Barbie é. Mas essa (ainda) não é uma resenha sobre Barbie, mas sim sobre outro filme produzido pela LuckyChap: Bela vingança, disponível na Netflix. Gosto mais do título original: Promising young woman, que na tradução seria “jovem promissora”, exatamente o que a protagonista é.
Cassie, interpretada por Carey Mulligan (indicada ao Oscar de melhor atriz por esse filme), parecia uma jovem com muito potencial: ela cursava Medicina ao lado de sua melhor amiga de infância, Nina. As duas estavam felizes por compartilharem mais esse momento importante de suas vidas. Mas, em uma noite de bebedeira, Nina estava desacompanhada e sofreu abus0 s3xu4l de um colega de faculdade, o que a levou a abandonar o curso. Cassie, abalada e disposta a cuidar da melhor amiga, também desistiu de concluir Medicina, até que Nina decidiu interromper prematuramente a sua vida, deixando Cassie traumatizada.
Durante o dia, Cassie trabalha em uma cafeteria que detesta e escuta críticas da própria mãe, que nunca aceitou que ela deixasse o sonho de ser médica para trás. Mas é durante a noite que ela veste o figurino de justiceira: frequentando clubes e bares, onde finge estar caindo de bêbada para sair com predadores s3xua1s, “dispostos” a ajudá-la. Os caras levam Cassie para casa e usam aquele papo do “você é muito linda, deita aqui”, mesmo que ela aparente inconsciência. Quando o mais grave está prestes a acontecer, Cassie se revela.
É nojenta e assustadora a forma como os alvos de Cassie conversam, entre seus semelhantes. Concluem que “essa tá pedindo” e incentivam uns aos outros a investir numa mulher que não está em seu melhor momento e que precisa ser protegida. O pesadelo de toda mulher. A cultura do 3stupr0 é evidente nos primeiros minutos do filme, feitos para chocar e incomodar. Incomoda que falem de Cassie daquele jeito, incomoda que tratem Cassie daquele jeito, mas também incomoda que ela escolha se colocar em perigo para nos mostrar que a culpa nunca é da vítima.
Em um dado momento, Cassie encontra a oportunidade perfeita de enfim vingar o destino da melhor amiga. Afinal, o 3stupr4d0r de Nina está prestes a casar, com direito a despedida de solteiro, um clássico. Cassie é meticulosa e organizada: mantém um caderno no qual anota cada passo e também os alvos anteriormente atingidos. Ela vai atrás da colega de faculdade que riu do abus0 e não acreditou em Nina, agora, mãe de gêmeos. Em seguida, entrevista a reitora da universidade, para quem a denúncia foi feita, mas não levada a sério. E antes de chegar no criminoso, Cassie alcança seu advogado de defesa. Mas em cada parte da sua vingança planejada, ela faz com que as pessoas sintam na pele — ou na própria consciência — , tudo que sua amiga passou.
Promising young woman não é só uma história muito bem contada sobre a ideia de fazer justiça. A obra também tem um clima nostálgico de filmes adolescentes dos anos 90 e 2000, totalmente proposital, subvertendo o clima de comédia romântica que parte do filme dispõe. Cassie tem trinta anos, mas suas roupas mostram que parou no tempo, fingindo certa inocência: são tons pastéis, laços, babados e estampas miúdas com motivos florais. A casa da personagem é toda cor de rosa. A mala que ela ganha de presente de aniversário, uma forma nada sutil dos pais dizerem que ela precisa sair dali, também é rosa. As músicas presentes no filme são características de uma época, uma década anterior. Como quando Cassie e seu interesse amoroso cantam Paris Hilton em uma farmácia; ou a versão instrumental e dramática para Toxic, de Britney Spears. A ideia de familiaridade e segurança contrasta com a vida dupla de Cassie e as atitudes de seus algozes.
Dirigido e roteirizado por Emerald Fennell (a Camila Parker Bowles de The Crown e também a boneca grávida Midge, de Barbie), Promising young woman é um filme muito bem construído em uma atuação brilhante de Carey Mulligan. Tem cara de filme independente, reviravoltas na narrativa e todos os grandes feitos estão no roteiro e seus diálogos. É um filme com o qual, infelizmente, mulheres vão se identificar. Talvez muitas enxerguem em Cassie uma heroína, embora ela seja retratada na jornada de um anti-herói. Já para os homens, o filme é essencial, altamente recomendado. Cada homem que assistir esse filme terá se observado no espelho em algum momento da vida. É asqueroso, não concorda?
