O lado bom da vida

Nina Galdina
5 min readJan 13, 2024

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Estou triste. E para esquecer meu estado emocional, escolhi uma série de filmes que detesto porque, na tristeza, gosto de me distrair me punindo no processo. Foi assim que dei uma segunda chance para O lado bom da vida, que rendeu o Oscar de melhor atriz para Jennifer Lawrence em 2013. Porque assisti esse filme na época de seu lançamento, eu tinha uma vaga lembrança de considerá-lo péssimo e o rosto do Bradley Cooper assim, muito socável. Minha opinião sobre o ator permanece.

Então Bradley é Pat: bipolar diagnosticado, passou os últimos oito meses internado em um hospital psiquiátrico por quase ter m4t4d0 o professor de História da escola na qual trabalhava, pois ele dormiu com sua esposa, Nikki, também professora. Longe de ser a primeira estadia de Pat em ambiente de saúde mental, ele é um paciente rebelde, humor terrível, que finge tomar os remédios e é resgatado pela própria mãe antes do prazo. Voltando para casa, vive em conflito e constante desaprovação de seu pai, um Robert De Niro desempregado, com TOC e viciado em jogos de apostas. Pat passa as madrugadas acordando os pais por qualquer motivo relacionado a ex-esposa (que tem uma ordem de restrição contra ele) e, durante o dia, faz o possível para tentar contato com ela — passa pela casa na qual os dois moravam (Nikki obviamente se mudou), pergunta na escola se ela continua a trabalhar lá e questiona amigos em comum. Considera-se ainda casado, não tira a aliança do dedo, se exercita e lê livros que ela indica em sala de aula na esperança de reconquistá-la. Bocó demais para ser psicopata, eu diria que Pat é um coitado.

Durante um jantar na casa de seu melhor amigo, casado com a também melhor amiga de Nikki, Pat conhece Tiffany (Lawrence): jovem recém-viúva que também voltou a morar com os pais e sente todos os dias a humilhação de sua própria condição. O marido de Tiffany m0rr3u atropelado. Para lidar com o luto, ela dormiu com a maioria dos colegas de trabalho, até ser demitida (incrivelmente familiar).

O lado bom da vida trata da perspectiva pouco distanciada de como pessoas com problemas mentais são inconvenientes e indesejáveis. Era tudo que eu precisava assistir agora. Na primeira conversa entre Tiffany e Pat, ele é honestamente radical e sem filtro. Ela rejeita esse comportamento, até perceber que é exatamente isso que espera dele, porque ele é como ela e eles estão contra todos.

Enquanto Pat é um estorvo na vida de seus pais, é Tiffany quem corre atrás dele. O terapeuta de Pat o convence de que, talvez, tornando-se amigo de Tifanny, Nikki perceba que Pat está progredindo. Ele gosta da ideia, convida Tiffany para jantar e ela retribui se oferecendo para entregar uma carta para Nikki, escrita por Pat.

Pat deveria agradecer, certo? Mas Tiffany se dá conta de que Pat a considera mais maluca do que ele mesmo. Porque Pat foi traído, age como se fosse incapaz de trair, e julga Tiffany pelo que desencadeou sua demissão, apesar de ter gostado de escutá-la quando ela disse ter se envolvido até mesmo com mulheres. Pat é machista, considera Tiffany “suja”, e não quer ser associado a figura dela diante da ex-esposa. Pat nunca sabe o que dizer, tampouco o momento de se calar, no que Tiffany argumenta: “eu me abri e você me julgou”.

Quando temos um problema na cabeça, quase sempre a gente acha que, encontrando nossos semelhantes, seremos compreendidos. Na vida real e especificamente nesse filme, não tem porque ser assim, a expectativa é culpa de quem cria. Tiffany espera um mínimo de reciprocidade, fazendo outra proposta para Pat: que ambos participem de um concurso de dança, para o qual Tiffany está ensaiando, mas necessita de um parceiro. Assim, ela entregará a carta.

Nada como dois corpos se movimentando em sincronia para dar início a um romance. A partir daqui, o filme fica insuportável. Os protagonistas estão mais parceiros e disciplinados, mas o caminho do roteiro está previsível. Antes do ensaio final, Tiffany entrega a resposta de Nikki, que Pat lê e relê muitas vezes, até entender que a mensagem, sobre ficar atento aos sinais, foi escrita por quem lhe entregou a carta e não por quem ele acha que pode recuperar.

Na noite do concurso, familiares de Pat e até a própria Nikki comparecem para assisti-los. O surgimento de Nikki é surpreendente para uma Tiffany já apaixonada. Ela faz o que qualquer pessoa anormal faria: se autossabota. Vai para o bar flertar com um estranho, é resgatada por Pat, ambos fazem seu número, recebem as notas, mas a comemoração dá espaço para a resolução entre Pat e Nikki. Porém, nem preciso dizer que esse é um filme em que dois neuroatípicos se ajudam tanto que sim, ficam juntos no final.

Lidar com o luto e a depressão que acompanha desde antes do luto é o drama de Tiffany. O de Pat tem um diagnóstico mais preciso, um histórico de tratamento falho e a falta de autocontrole. Já o pai de Pat, personagem de De Niro, lida com o transtorno obsessivo compulsivo e, nas loucas e supersticiosas apostas esportivas que faz, corre risco de perder o patrimônio da família. A presença de De Niro nesse filme prova que há loucuras socialmente toleradas. Ele foi expulso do estádio que frequentava por briga de torcida organizada relacionada as apostas. Pat chega a abordar esse tema com seu terapeuta, que releva a lucidez do protagonista questionando as atitudes do pai. Ponto positivo para essa sagacidade no roteiro.

Bradley Cooper e Jennifer Lawrence tem química. Essa química se provou em mais quatro filmes posteriores a’O lado bom da vida, nos quais o casal interpretou… casais. Ambos são expoentes de uma geração, de modo que a diferença de idade entre eles nunca foi razão de julgamento para o público (Lawrence é quinze anos mais nova).

O lado bom da vida está longe de ser o melhor e mais convincente filme sobre saúde mental do ponto de vista dos protagonistas, mas ganha em detalhes e até por parecer uma crônica do mesmo universo de Melhor é impossível, por exemplo. Jack Nicholson poderia ser vizinho desses dois e o casal não o suportaria. Mas, infelizmente, podemos reduzir O lado bom da vida a uma Sessão da tarde: é leve demais, não justifica o Oscar para Lawrence (até na franquia Jogos Vorazes a atuação dela foi mais brilhante) e é um filme totalmente esquecível depois de algumas horas.

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Nina Galdina

Escrevo sobre cinema porque gosto, mesmo sem conhecer a técnica. Não faço drama, faço documentário. Outros textos em https://ninaemsaopaulo.tumblr.com