“San Junipero”, Black Mirror, quarto episódio da terceira temporada
Sonhos lúdicos, universos paralelos e mentiras sinceras me interessam. Se você juntar a isso a temática de uma amizade permeada de amor que ultrapassa fronteiras, eu diria que temos aqui o melhor episódio da terceira temporada de Black Mirror, pra não dizer de todas as outras — e olha que ainda nem terminei essa.
Quando especulavam sobre essa temporada e exibiram fotos do que estava por vir, me surpreendeu que uma delas fosse claramente anos 1980, todo o visual que eu detesto, pois é a minha época menos favorita, uma época de exageros: roupas extremamente coloridas e volumosas, cabelos gigantes, maquiagem forte, música irritante. Mas como assim? Black Mirror voltaria no tempo? Isso nada contra a corrente apocalíptica na qual costuma fluir a série. Bem, é quase isso.
“San Junipero” é um paraíso: uma pequena cidade litorânea e bastante frequentada por jovens em 1987. Cheia de boates que recebem gente bacana, que podem beber, dançar, conversar e jogar. Um lugar perfeito para conhecer pessoas novas, sobretudo quando você é uma garota como Yorkie, a introspectiva Yorkie, que está ali, em San Junipero, pela primeira vez. Yorkie, com seu óculos antiquado, entra numa boate porque está seguindo uma linda garota aparentemente extrovertida, uma Madonna negra e cheia de vida. Mas, se dependesse de Yorkie, as duas jamais conversariam, de modo que o mero acaso faz com que ambas se esbarrem e iniciem uma estranha amizade.
Essa garota é Kelly e Kelly deseja se divertir. Com tudo e com todos, em San Junipero não há regras: você pode fazer o que quiser, pois a liberdade é plena e intensa. Assim, ela oferece whisky para Yorkie e a puxa para a pista de dança.
Mas Yorkie sente-se desconfortável, por não saber dançar. Ela sai para tomar ar e Kelly a persegue. Kelly tenta uma aproximação maior, que Yorkie rejeita, por estar comprometida: é noiva de um rapaz chamado Greg.
Quando essas duas se conheceram, era sábado.
Na semana seguinte, Yorkie entra na boate e vê Kelly com um rapaz. Mas elas logo dão um jeito de ficarem juntas, dessa vez, se possível, a noite toda. Só que a meia-noite é o limite, como no conto da Cinderela.
Na semana posterior, Yorkie busca por Kelly, mas ela não está lá. Yorkie vai atrás da garota nos cantos mais improváveis de San Junipero. E nada.
Na outra semana, é 1996. Alanis Morissette aparece cantando “Ironic” em seu carro, na televisão. Meninas dançam vestindo saia colegial e meias brancas.
Na outra, 2002. E, finalmente, Yorkie encontra Kelly na pista de dança. E compreende. Compreende tudo.
Kelly, tão linda, tão jovem e cheia de vida, explica a Yorkie que possui pouco tempo e, da última vez, os médicos lhe disseram que ela tinha apenas três meses, embora pareça incrivelmente saudável. A enferma propõe que ambas se encontrem fora de San Junipero. Inicialmente, Yorkie discorda dessa ideia, afirmando que Kelly jamais a olharia fora daquele lugar. Mas o encontro deve acontecer.
Qual é o limite para uma amizade? O quanto nós romantizamos uma situação? Esse episódio surpreende mais pelo afeto do que pela tecnologia que, por conta da época, demora a aparecer, é natural. “San Junipero” é a crônica do companheirismo entre duas pessoas e de como, ao encontrar um lugar, nele também pode existir a salvação para o que não foi possível viver. É como uma nova chance, novas oportunidades. Black Mirror ganha maturidade aqui, por mostrar que, mesmo arriscando-se com uma espécie de “máquina do tempo”, a série não perde o seu fôlego. Black Mirror também é conhecidíssima por não apostar em finais felizes, o que também demonstra o grande diferencial desse episódio: cada um pode ser feliz ao seu modo, apesar de todas as impossibilidades, de todos os desvios que a vida propõe. E o que é a felicidade senão uma ilusão ou mera questão sensorial? Em “San Junipero”, a tecnologia do futuro pode ajudar no passado que não foi vivido.