Licorice pizza

Nina Galdina
4 min readFeb 26, 2023

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Aos vinte e cinco anos, Alana não sabe muito bem o que quer da vida. Já Gary Valentine, de quinze, tem certeza do que deseja: ser um grande ator e ter Alana como esposa.

Depois de Aftersun, abortei a “missão Oscar 2023” e só queria um filme leve ou algum filme do Paul Thomas Anderson para baixar um pouco a minha dívida. Com Licorice pizza, uni o útil ao agradável, e o filme concorreu a grandes prêmios do Oscar no ano passado: melhor filme, direção e roteiro original.

Califórnia, anos 70, muito sol e jovens aspirantes a artistas. É nesse cenário e contexto que Gary, interpretado por Cooper Hoffman, perdidamente se apaixona por Alana (Alana Haim), fotógrafa do anuário da escola em que estuda. E é ela quem impõe o distanciamento claro da idade. Alana passa o filme inteiro dizendo: “eu sou uma mulher adulta, você é de menor”. O cartaz do filme é autoexplicativo: Alana tem Gary na palma da mão, comendo em sua mão.

O grande amor da minha vida foi um rapaz quatro anos mais novo. A pouca diferença parecia imensa porque o choque de gerações era uma coisa que eu sentia muito. Mais de uma vez ele disse que devia ser legal a sensação de ir numa loja de discos ou numa locadora. Nunca me senti tão velha, a pessoa que viveu os últimos respiros de um mundo analógico e ainda se bate, de vez em quando, nessa transição para o digital. Hoje, inconformada com a inteligência artificial ameaçando nossos empregos, nossa forma de fazer arte e, muito em breve, nos substituindo em praticamente tudo -, pensar em diferença de idade é o menor dos meus problemas.

Mas entendo Alana. E entendo que, fingindo ignorar as lisonjas de Gary, ela cada vez mais se apegue a ele, nem consegue ficar longe. Alana vive com Gary para cima e para baixo. E quem os acompanha? A turma de Gary, composta por seu irmão mais novo e seus amigos. E lá está Alana, se deixando levar pelas ideias mirabolantes de Gary: seja como atriz ou sócia do amigo na venda de colchões d’água.

Mas quando Gary se envolve com uma garota de sua idade, Alana só falta morrer de ciúmes. E também como vingança, ela cai nos braços de homens mais velhos, como por exemplo William Holden, um dos atores campeões de bilheteria na década de 50, aqui vivido por Sean Penn — um personagem maravilhoso que só fala sobre o próprio passado no que parece um roteiro tão improvisado quanto incompreensível. Tom Waits e até o pai de Leonardo DiCaprio também estão em Licorice pizza — mas não interpretam a si mesmos.

Embora Licorice pizza seja linear, além da história de amor cheia de desvios e muita comicidade, o filme não tem o propósito de apresentar uma grande narrativa principal em torno do casal protagonista. São crônicas sobre um amor, enquanto esse amor não se estabelece. São os desencontros provocados por eles mesmos e o quanto podem se machucar, quase como se fosse uma competição. Ninguém vence, competir cansa. Bandeira branca, amor.

Mesmo assim, essa aparente falta de foco traz cenas memoráveis, é o tipo de filme que vamos comentar por muitos anos por causa de determinadas cenas — como quando Alana dirige em marcha-ré um caminhão cheio de adolescentes e colchões d’água, após ter destruído a casa de Jon Peters (Bradley Cooper) e abandoná-lo no posto de gasolina, no meio da crise de petróleo daquela época. E talvez nem seja essa a sequência mais interessante — o melhor está no final, também.

Alana Haim faz a sua personagem com extrema naturalidade. Pelo que entendi, ela não era atriz. Tem uma banda com suas irmãs e, veja só: pai, mãe e irmãs de Alana estão no filme, interpretando exatamente o pai, a mãe e as irmãs de Alana. A banda Haim teve videoclipes dirigidos por Paul Thomas Anderson. E Licorice pizza tem sabor de filme feito para Alana, de tão bem que ela se encaixa.

Cooper Hoffman é a cara do pai, Philip Seymour Hoffman, e não deixa a desejar em termos de talento — que não é algo hereditário, mas nesse caso, parece.

Licorice pizza tá longe de ser, graças a Deus, uma comédia-romântica boba, nível Nicholas Sparks. Não é avassalador, não tem paixões tórridas, ninguém vai morrer e nem quer se matar. A falta de ação é a grande qualidade desse filme, com seu vibrante-saturado, cortes de cabelo esquisitos e gente suada se agarrando depois de tanto lutar contra o que é óbvio entre eles.

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Nina Galdina

Escrevo sobre cinema porque gosto, mesmo sem conhecer a técnica. Não faço drama, faço documentário. Outros textos em https://ninaemsaopaulo.tumblr.com